Sunday, December 13, 2009

Transporte público


O leitor deste blogue percebe a insistência com que abordamos a questão da desigualdade social. A razão é simples: trata-se de problema básico da sociedade brasileira. Vivemos num país constituído em bases desiguais e excludentes, em que uma classe social (os escravos) trabalhava em função de outra (os senhores), sem classe intermediária significativa. A escravidão foi abolida, pro forma. Mas a estrutura em si foi mantida. Nossa tradição antidemocrática permitiu que as bases estruturais que garantiam o bem-estar de uns poucos em detrimento do bem-estar da maioria se conservasse intática. Não à tôa, a desigualdade social permeia tantos aspectos da sociedade brasileira. Aqui, já falamos da questão de moradia, segurança pública e até no debate sobre meio-ambiente. Essa questão é inescapável.


Não surpreende, diante desse quadro, que o fenômeno também se manifeste no âmbito da questão da mobilidade urbana. Resumidamente, as grandes cidades brasileiras são (mal) pensadas para o motorista de automóvel morador de prédios.Ou seja: para a minoria. Além de ser injusto, porque pensa-se a cidade para uma minoria em detrimento da maioria de seus habitantes, privilegia-se o meio de transporte mais ineficaz, do ponto de vista da eficiência energética per capita, jamais inventado pelo homem: o transporte individual motorizado.


Agora, aparece a notícia – leia aqui – de que há um projeto de construção do corredor Norte-Sul, que implica investimento maciço em transporte público para integrar toda a região metropolitana. A idéia, de usar o espaço aéreo das margens dos canais de Recife, parece interessante, pois valorizaria urbanisticamente a hidrografia capilar da cidade, dando espaço também para os diferentes modais: pedestre, bicicleta, carroças. O projeto impressiona pela abrangência geográfica e pelo que promete em termos de oferta de meios de locomoção. No entanto, é importante estarmos atentos para que tal projeto, de suma importância para a democratização do direito de locomover-se em nosso estado, não seja sequestrado por interesses privados. Temos que quebrar a lógica que tem ditado o processo de urbanização em Pernambuco, em que os interesses privados (sejam eles das construtoras; ou das “ocupações espontâneas”, leia-se favelas) ditam o ritmo, a intensidade e a os locais do crescimento urbano. O setor público fica correndo atrás com arremedos de solução, e mesmo assim quando já é tarde demais.


Será essencial termos na Alepe alguém como Jampa, sensível às preocupações dos setores populares, ele mesmo usuário de transporte público coletivo assim como do transporte motorizado individual, para cobrar que o projeto ora em questão não seja mais um desses arremedos, e que a mobilidade seja pensada sob uma ótica holística que vise à integração da cidade – física e social. A questão da mobilidade não será solucionada com esses sistema apenas. Tem que ter ciclovia, o transporte fluvial deve ser uma meta, precisamos de uma política de valorização das calçadas... Critérios técnicos devem sobrepor-se a acomodações políticas; o interesse público deve sempre predominar sobre os interesses particulares. O Poder Legislativo tem papel essencial a desempenhar no sentido de garantir que esses eixos sejam a diretriz o debate sobre transporte público em Pernambuco.


Para além de questões éticas e filosóficas, também é necessário acompanharmos essa questão sob uma ótica prática, sob o ponto de vista técnico e urbanístico. Investimento em transporte público não é inerente bom: muitas vezes vem disfarçado como panacéia para os problemas urbanos, mas se trata apenas de favorecimento a certos grupos econômicos. Para que seja eficiente, uma lei racional de uso do solo, que garanta a funcionalidade prática e a viabilidade econômica do novo corredor, é necessária.


Para concluir, cito aqui a opinião de um especialista, de modo a dar uma contribuição ao debate:

A reserva do espaço urbano para o transporte coletivo permite que o sistema de transporte evolua, GRADUALMENTE, a sua capacidade de oferta, acompanhando, da melhor maneira possível, a evolução da demanda por transporte. Isto é conveniente tanto técnica, quanto economicamente. Para você ter uma idéia, os sistemas estruturados em veículos sobre pneus (Ônibus, ônibus articulado e ônibus bi-articulado) podem atingir, em boas condições de segurança, intervalo mínimo entre os ônibus e conforto, quantidade de passageiros por metro quadrado, até 20.000 passageiros por hora e por sentido. Um sistema de Veículos Leves sobre Trilhos – VLT, pode atingir 35.000 e o metrô, de 50 a 80.000 passageiros por hora e por sentido.


Ocorre que os ônibus estão aumentando a capacidade, já se fala em ônibus tri-articulado e já existem ônibus guiados lateralmente, o O-bahn da Alemanha, que já atinge 35.000 passageiros por hora e por sentido com um conforto e segurança de nível metroviário. Para nós, que não temos muito dinheiro, eu acho melhor a estratégia de, prioritariamente, reservar a via exclusiva, em capacidade e geometria preparada para , no futuro, se necessário, poder receber VLT’s ou Metrôs, e começar a operar o sistema com ônibus, daí, com o tempo, evoluir para o articulado, o bi-articulado e até, quem sabe , o tri-articulado ou o O-bahn que permite intervalos menores entre os ônibus, que são elétricos e portanto limpos energeticamente como os VLT’s e os Metrôs, na medida em que a demanda assim o exija.”


Precisamos de Jampa para incluir o tema da mobilidade na agenda pública estdual e, para além disso, garantir os moldes em que se darão esse debate.

No comments: