Tuesday, November 17, 2009

CARTA DE JAMPA - OU A METÁFORA DO AVIÃO


O blogue publica, com grande prazer, a resposta de Jampa a um post escrito pelo amigo de Jampa, o ator João Lima.


Querido João,


Tem sido de minha vontade me manter distante das produções desse blogue entre outras razões porque tenho me dedicado à minha tese. De fato também não me parece ser de bom tom escrever num espaço criado por meus amigos para defenderem meu nome para uma possível candidatura minha à Assembléia Legislativa de Pernambuco.


Como não sou de fato ainda candidato, tomo a liberdade de falar ainda como sociólogo. De que maneira um sociólogo vê a sua esperança na política?


Na verdade eu não poderia calar diante aos questionamentos tão pertinentes de amigo de tão longa caminhada. Esse projeto atual, que envolve meu nome, é bonito, porque sensível às demandas sociais e políticas de nossa geração. Mas não só por isso. Meus amigos defendem que a viabilidade de meu nome provém também de características de uma trajetória singular na qual busquei, através das oportunidades que me foram dadas, ficar sempre sensível ao universo social tão problemático que é o nosso. Agradeço a todos pelo voto de confiança que alimenta minha vontade de mudança e aumenta ainda mais a minha responsabilidade diante dos desafios.


E obrigado, João, por palavras que mostram suas inquietações que de tão verdadeiras tocam o cerne de nosso mundo, cheio de mazelas e coisas a cuidar. Cheio de tantos não ditos espalhados e difusos por conta do nosso medo de enfrentar nossos próprios defeitos.


Sabemos todos: este estado de coisas precisa ser modificado. É isso que podemos dizer em uníssono. E talvez seja esse o lado mais imaginativo e forte desse projeto: retomar essa vontadae coletiva de mudar um estado de coisas tido como dado por cada um de nós, separadamente. E aí a pergunta que nos resta, diante de tal diagnóstico, é a de sempre: como mudar...?


Essa questão já foi feita por tantas pessoas, não é? Pelos nossos pais. Nossos avós. Não podemos esquecer. O que fazer? Quantos de nossa geração não tentam dar sentido a essa pergunta? Em parte, essa aparente repetição das mesmas perguntas se dá, a meu ver, porque o mundo apesar de mudado, sempre termina por reproduzir as suas estruturas de desigualdade. João, por favor, não veja determinismo nisso que eu digo. O que ponho em evidência apenas é que não é fácil lutar contra lógicas tão potentes e internalizadas, como você bem ressalta, e que a vontade é apenas um dos elementos que deve nos nutrir.


Mas digamos que, como queremos crer, a luta política institucional seja uma das formas de tentar mudar as coisas. Ou de tentar mantê-las, o que não é em si nenhum pecado, não podemos esquecer. Muitas das pessoas do meio político estão na política para isso. Faz parte também da lógica da política tentar se manter no poder, e ao fazer isso, termina-se ajudando a manutenção do status quo, não é verdade? Devemos nos precaver contra essas lógicas.


Muitos desses conservadores, digamos assim, foram eleitos de maneira legal, e portanto institucionalmente válida. E nesse sentido, e apenas nele, eu penso, devem ser respeitados. O problema é que ser conservador num país com tantos problemas parece ser absurdo demais. Para mim é. Deve ser por isso que pouca gente se admite de direita aqui no Brasil. Mas isso são outros quinhetos anos...


Meu ponto diz o seguinte: a bandeira que devemos levantar é a que pensamos poder carregar. A luta concreta por mudanças não se dá no plano ideal (que entretanto nos motiva): ela não é uma luta de homens e mulheres livres, mas uma luta por liberdades autênticas de seres que devem ser, sempre, historicamente situados. Não somos condenados à liberdade, como já dissera um conhecido filósofo, mas seres que, através da política podemos vencer alguns de nossos condicionamentos. Não devemos ser exageradamente realistas a ponto de virarmos conformistas, sem disposição para mudar as coisas. Mas não podemos ser quixotescos, com belos ideiais, mas incapazes de colocá-los em prática, por sermos inaptos para transigir com qualquer resquício de realidade. Devemos querer mudar o mundo, mas lembrando que isso só é possível quando atingimos corações e mentes das pessoas desse mesmo mundo que queremos mudar.


Minha visão de política é muito parecida com a que tenho da função política da sociologia, que é de cunho iluminista em última instância: a sociologia que quer se dar os meios de ser um elemento de ajuda na transformação de um mundo social injusto precisa centrar-se na análise dos condicionantes sociais das desigualdades. Tal como a ciência fez com a mitologia o objetivo da sociologia aqui é materializar um sonho. A humanidade que sonhava em voar imaginando Icarus alados só pôde realizar concretamente o seu sonho de descolar do chão quando se deu os meios de estudar as leis da aerodinâmica. A sociologia que estuda os condicionamentos sociais nos seus elementos reprodutivos de desigualdades pode trazer conhecimentos que ajudem a construir ferramentas para produzir liberdades mais concretas.


Por que digo tudo isso?


Nosso plano de decolagem política não pode se dar sem levar em consideração a construção já iniciada do avião institucional. Muito menos desconsiderar a construção da pista. Menos ainda sem ter em conta os conhecimentos a respeito das leis da aerodinâmica da política. Perdoe-me, João, o prolongamento da metáfora, mas acho que ela é apropriada para a ocasião. Precisamos ter claro que estamos entrando no debate político dentro de um partido, dentro de um projeto maior de nação, que quer se queira quer não, com defeitos e qualidades, foi implementado pelo Partido dos Trabalhadores, sob o comando do presidente Lula. E é nesse projeto maior que devemos nos enquadrar para propor nosso parafuso, para ser peça dessa imensa e possível aeronave. Em outras palavras: o problema que não é problema é que deve existir sim o nosso compromisso numa luta institucionalizada como é a da política com o caminho já trilhado pelas instituições democráticas que aí estão. E ter consciência disso é condição sem a qual o maior risco é o de sucumbir na idéia igênua de que estamos inventando as asas de um avião ainda sem estrutura, e findarmo-nos pulando em um abismo sem condição de voar.

Ao contrário disso, uma bandeira política responsável deve se consolidar defendendo os propósitos democráticos. Deve ser propositiva, imaginativa e inteligente. Por isso defendo que devamos buscar nos propósitos de fundação do Partido dos Trabalhadores o alicerce socialista e democrático de nossas proposições políticas. O novo na política, muitas vezes, nada mais é de que nossa capacidade de, com alguma imaginação, nos apropriar de elementos importantes do fundamento de um ideal de justiça já posto. O PT traz isso e leva consigo as marcas históricas de um esforço real que leva sempre a desajustes e incompreensões. E as novas gerações devem chegar para lembrar o que deveria ser reafirmado sempre e que fôra esquecido pela rotinização da disputa pelo poder: o maior propósito de um partido socialista e democrático deve ser reafimar sempre os ideiais fundantes que constituem seu propósito de justiça social. Tenho certeza de que muitos dos que aí estão, já calejados pelo cotidiano político, reabraçariam de bom grado um velho caminho com novos contornos. É acreditando nisso que penso na política. É pensando nisso que fico feliz ao ver esse projeto começar.

Obrigado mais uma vez, João e amigos, pelas palavras e confiança,

Jampa.


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