Thursday, November 12, 2009

Somos mais livres do que imaginamos

Publico aqui nesse espaço coletivo o texto, a um só tempo sensível , incisivo e poeticamente forte, do nosso amigo João Costa Lima, escrito em 2007 e adaptado para o blog. É uma honra contar com essa contribuição de uma pessoa tão querida quanto admirada, e uma das mentes mais inquietas, curiosas, criativas e pensantes da nossa geração.


Caro Jampa,

Não vai ser fácil escrever estas palavras. Tratam-se de impressões que há muito me ocorrem, sempre com bastante força, suficiente pra me fazer escrever isto pra ti. Escrevo por acreditar que também escrevemos o futuro, escrevo por necessidade.

Desde que decidi sair do Brasil (numa viagem íntima de emancipação e em busca de ampliar a minha leitura do mundo), venho inevitavelmente vivendo memórias e impressões do Recife de maneira atávica. De tal modo que, nestes dias de distância, sempre procurei manter-me informado e atento à história atual desta cidade, que também é a minha história.

Assim, observo o intenso sufocamento e a assustadora violência a que o Recife vem vivendo, em crescimento até agora incontrolável. Percebo esta situação, mesmo que a partir de uma posição bastante privilegiada, comparando-se à maior parte da população. Vejo a miséria tomar as mais diversas formas, atingindo a tudo e a todos com golpes de terror. Toda esta violência, este trânsito, a corrupção e a inconseqüente construção vertical parecem sem limites. A desigualdade social é o coração desta febre e cresce a todo vapor, sendo causa e conseqüência deste agora tão escuro.

Assisto ao êxodo acelerado da minha geração com um misto de perplexidade e compreensão (entendo-o bem, pois também faço parte deste movimento). Assusto-me ainda mais com o sentimento de aceitação e normalidade quase que generalizado, por parte da sociedade recifense diante do caos que toma conta da cidade. O que percebo é cansaço, cinismo e medo, muito medo de encarar esta realidade com frontalidade e o desejo de transformação necessária.

Da onde vem este sentimento derrotista? A quem interessa este silêncio?

Fico pensando que a nossa geração envelheceu rápido demais, ou talvez “aprendeu” a emudecer, “porque assim é mais seguro”… ou, quem sabe até estejamos todos atordoados, sem saber como e por onde agir. No entanto sei, e sabemos todos, que não precisamos de heróis e que nossos inimigos, somos nós mesmos. E se, mais do que nunca, a defesa dos ideais, e qualquer engajamento político, soa antiquado ou desacreditado, como podemos reinventar caminhos por um mundo mais justo, mais condizente com os nossos desejos? Para começar, parece-me evidente que, a cada instante, devemos fazer escolhas em direção à ética, reconstruindo os sentidos desta palavra e o terreno para uma vida mais fraterna, o que a todos interessa, não?

Sem desejo de transformação, tudo permanece como sempre foi, e se nosso momento na história é diferente de qualquer outro, devemos buscar nossas próprias formas de criá-la, como nós a desejamos. Lembro-me dos ensinamentos do Paulo Freire, ao dizer que “interessa o saber da história como possibilidade e não como determinação, pois não sou apenas objeto da história mas seu sujeito igualmente” ou ainda “ o mundo não é o mundo, está sendo”. A história é agora.

E sabendo que não é possível fazer história sem os pés bem assentados na consciência crítica, é também evidente que não podemos perpetuar a devastação à nossa volta. Nossas ações são decisivas, sejam elas mais ou menos simples. Com humildade e alegria, percebo que eu sou o meu projeto de mundo.


Aonde quer que estejamos, em qualquer situação, podemos fazer a diferença, abrindo espaços de invenção permanente. E como sei que cada um de nós tem desenvolvido formas diferentes de intervir no mundo, acho que é hora de juntarmos nossos esforços e nossas visões em um encontro por celebração e transformação. Como criar nossos meios de comunicação? Como intervir no seio da sociedade recifense em busca de debate? Como apresentar alternativas de vida? Como fazer tudo por um pouco mais de ternura?


Jampa, meu amigo, já nos conhecemos a muito tempo, tempo suficiente para que eu possa acompanhar a tua trajetória e reconhecer na tua integridade o perfil de homem ético, capaz de unir esforços e representar uma geração, em luta por uma vida mais fraterna, mais justa, mais digna de ser vivida por todos. Este teu projeto, meu amigo, é vibrante, e este momento, histórico.


Estas palavras são minhas, gostaria de saber quais são as tuas. No fundo somos mais livres do que imaginamos. Ainda há muito para se fazer, e isto não é nada mal, terrível mesmo seria se não tivéssemos mais nada para criar. Estou contigo neste desafio.


Com afeto,


João Costa Lima

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